segunda-feira, 21 de março de 2011

palavras

Acaso minha palavra é sêmen que agite alguma profundeza? Tem em si o valor das que são ditas como espada afiada? Ou o preço daquelas que se guarda?

Palavras são jogos radicados na imaginação. Por mais técnicas, denotativas, fáticas ou funcionais que possam parecer, suas origens repousam  nas interpretações poéticas feitas por seres humanos que ainda não haviam sido adestrados no paradigma científico. Como demonstram todos os escritores que foram capazes de deixar alguma marca no mundo, palavras são moldáveis. Nomes pessoais aos poucos deixaram de representar aquilo a que se prestavam nos inícios, ainda que reste algo do sabor original, como uma camada arqueológica. Pereiras, oliveiras, selvas, pedras. Vitais, patriotas, guerras, campos. O significado social do sobrenome  sobrepuja a imagem poética, e já não vemos a árvore ou o bicho que está por trás e por baixo.

Mas deste modo nos perdemos do significado em si. Desconectando a percepção da imagem deixamos de ver as palavras, aceitando qualquer significado alternativo que consiga vingar. “Paz” passa a carregar nuances de conflito, “amor” começa a representar situações de egoísmo, “democracia” é aceito como competição de interesses minoritários, “História” assim, com agá grande, é considerado como expressão da verdade sobre o passado, quando há de fato muito mais histórias, e até estórias, em seu bojo.

Um mundo que confina as palavras a uma série restrita de conotações, através do politicamente correto, ou dos protocolos, ou do bem-pensar, é um mundo semelhante à distopia de Orwell, “1984”.  Pode ser clichê, mas trata-se de uma história em que um governo central vigia os cidadãos por meio de câmeras-telas presentes em todos os lugares, sob o pretexto da segurança. O líder supremo, que ninguém vê exceto pelos filmes oficiais e pelos cartazes onipresentes, é o Grande Irmão. A política é baseada na guerra e no medo da guerra, que dá ao governo a justificativa para controlar todos os passos do cidadão e, que é o ponto que importa para este texto, para reescrever jornais, revistas, livros, quando não destrói sumariamente tiragens inteiras de documentos capazes de contradizer a versão oficial. Em nossa realidade ocorre algo mais sofisticado que a destruição do material subversivo. São definidos  significados-chave, difundidos por meio da indústria cultural e permite-se aos discordantes que participem do debate, tentando contribuir com percepções diferentes. Agora, quem terá paciência de navegar o oceano semiótico com bússolas próprias se a escola, a tv, a publicidade, o cinema, a imprensa, etc já oferecem interpretações prontas para o consumo? Na balbúrdia de vozes o que é perigoso para o status quo geralmente é soterrado ou cooptado a fazer parte da Cultura (sim, com cezão), onde poderá ser dissecado por estudiosos, ou apreciado como cult, ou vendido a altíssimos preços.

Ou, como no caso das palavras de um certo judeu do primeiro século desta era, ganhará a possibilidade de alcançar todo o planeta e influenciar de tal modo o imaginário da humanidade, que até mesmo os que discordam de suas principais afirmações se sentirão obrigados a admirá-lo. Mas veja o preço: ter seu alcance revolucionário drasticamente reduzido ao ser rotulado como “religião”, “filosofia”, ou qualquer outra tag que impeça seu conteúdo de ser compreendido.

As palavras são preciosas, pois definem a realidade e as possibilidades. Também são perigosas para o sistema, já que condensam trilhas alternativas. Não é por outra razão que estão sendo esvaziadas e substituídas por uma cultura de imagens – quanto mais surpreendentes aos sentidos melhor... para quem?

Minha questão aqui é a seguinte: se as palavras já não impactam tanto, o que o fará?

Sinta-se livre para responder. Com palavras ou de outro modo...



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