sexta-feira, 30 de setembro de 2011

vida

enquanto uns fazem vida em laboratório com DNAs escritos por computador e outros navegam nas possibilidades de transferir a história de uma pessoa em uma rede social para robôs e hologramas, muitos passam pelas ruas, corredores, filas, sem se olhar nos olhos.

terça-feira, 5 de julho de 2011

cabeça de mulher

cercas

O poeta Gary Snyder, ao falar em uma entrevista sobre o motivo de a tradição oral ser tão pobre nos Estados Unidos, disse: "Deve-se à importância dada a  nomes individuais e à ênfase de se manter o texto original"

sábado, 25 de junho de 2011

terça-feira, 21 de junho de 2011

?

coletivos, grupos sem centralização ou hierarquia que gestam coisas belas, úteis, inúteis, curiosas, assombrosas, blá.

crowd sourcing, comunidade virtual descentralizada de pessoas interessadas no desenvolvimento de programas informáticos, ou no conteúdo de certos sites, wiki.

creative commons, copyleft, ressignificação do direito de propriedade intelectual, afinal o direito é do "criador" individual?, que é fruto da sociedade que o instruiu, educou, contextualizou... ou da comunidade humana, da História, que sempre se alimentou das coisas feitas para fazer novas coisas?

se minha mente se estende para ser mais humana, se se estende por lápis, laptops, fones de ouvido, vitrolas, se minha memória se estende em livros e ipods e hds, se me estendo em cinema, luneta, microscópio, sonar, espectroscópio, microfone, sondas, hubbles, robôs... se sou ciborgue desde a invenção da escrita e portanto minha mente é mais coletiva do que estou disposto a admitir...

e então? como posso brigar pelo meu ou o seu direito de limitar a infinidade com cercas feitas de cê-ene-pê-jotas?

observação tardia: ciborgue desde a invenção da escrita? que nada! pelo menos desde que surgiu o primeiro instrumento, seja lança, pedra de jogar, flauta de osso ou o quê!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

e agora?



Acabo de voltar da exposição "O Brasil na arte popular", no Museu Nacional de Brasília. Peças de arte belíssimas produzidas por mestres da assim chamada cultura popular. 

É bom ver que essas peças, antes relegadas ao plano do "folclore", estão sendo valorizadas, bem como seus autores. Mas me pergunto, nestes tempos em que tanto se discute sobre direito de propriedade intelectual, se dar crédito não seria simplesmente uma forma de impedir o livre uso de referências a esse tipo de arte. Estou pensando como alguém que quer ser remunerado pela arte que faz, mas que também reconhece que é da cópia, da referência livre e da reelaboração que a cultura vive. 

Quando se fala em patrimônio comum é fácil admitir que não há agente ou advogado que vá atrás de você para exigir royalties (já pensou ? Você pinta um personagem em estilo "Pedra Pintada" ou "Altamira" e chega um representante dos direitos dos primitivos cobrando o pagamento por uso de imagem...). E, ainda que de forma preconceituosa, era assim que se encaravam os trabalhos de Mestre Vitalino e outros. Agora que sei quem é Vitalino serei livre para me apropriar criativamente de suas formas, como faço com qualquer forma interessante que tenha a sorte de passar diante de meus olhos? Ou serei obrigado a fazê-lo clandestinamente?


quinta-feira, 16 de junho de 2011

ócio

Então aí está. Gente como Daniel Pink e Domenico de Masi  afirmam que o futuro (o qual já está entre nós) será dos criativos muito mais do que dos laboriosos. À ética do trabalho imposta durante o período industrial  sobrevirá a ética do ócio - palavra maldita para empresários, industriais, padres e militantes da esquerda defasada.

Há tempos que o desafio deixou de ser instruir as pessoas para que ocupem postos de trabalho estáveis e passou a ser aprender a conjugar trabalho, estudo e jogo.

Pode-se esperar um futuro de arte onipresente, mas também de atenção à subjetividade, tempo para apreciar, amar, criar.

Boa notícia para as cigarras...

sexta-feira, 27 de maio de 2011

mímica

Uma das características do nosso mundo é que ele está sentado. 

O mímico corporal se coloca de pé.


Ele passa seu tempo representando tudo o que trabalha com o corpo, como se dissesse: “Vocês estão vendo, nós ainda podemos nos mover, podemos fazer outra coisa além de ficarmos sentados”. Podemos nos movimentar, nos levantar, fazer esforços, e quando o corpo se desloca, é uma espécie de lição.


Se dedicar à mímica é ser um militante, um militante de alguma coisa, um militante do movimento num mundo que está sentado.



É como se quiséssemos mudar o mundo convidando-o a se levantar, a se deslocar.

Alguns me dirão: “Mas você não conseguirá, não é possível! Você não mudará o mundo!”



Eis então porque vou terminar dizendo: Não é necessário esperar para empreender, nem vencer para perseverar.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

4.

TODAS AS HISTÓRIAS  CONTADAS  E AS POR CONTAR VAZAM DA IMAGINAÇÃO SUPREMA. POIS NÃO POSSO ACEITAR  AS TEORIAS DE QUE OS CONTOS SÓRDIDOS E OS DESVIOS LAMENTÁVEIS REPRESENTEM REAIS AFRONTAS AOS PLANOS ORIGINAIS, COMO SE DETIVÉSSEMOS, EM NOSSO ZIGUEZAGUEAR INCONSCIENTE, A CAPACIDADE DE FRUSTRAR  DEUS. PENSO QUE O MAL E O BEM SÃO PARTE MISTERIOSA DA MESMA INTENÇÃO.  AQUI COMEÇA  A QUESTÃO: COMO SUPORTAR UM DEUS QUE EXISTE AINDA MAIS DO QUE DESEJARÍAMOS?

ESSE SER TODO-PODEROSO ESTÁ NA BÊNÇÃO, CUJA AUTORIA NÃO TARDAMOS EM RECONHECER, BEM COMO NA ESCASSEZ TREMENDA, NO SOFRIMENTO ALEATÓRIO, NA MORTE SÚBITA E “INJUSTA”...  NOS DESCAMINHOS QUE NOS HABITUAMOS A ESTABELECER COMO OBRA DO INIMIGO.

MISTÉRIO DOS MISTÉRIOS.

SENDO SENHOR  ABSOLUTO DO BEM E DO MAL,  DEUS TRANSCENDE O MAL, MAS TAMBÉM SE ENCONTRA  ALÉM  DO  BEM. DEUS  É  MAIS QUE BOM. DEUS É.
É CAVALHEIRO, JÁ QUE ME CONVIDA  DE  MODOS SUTIS E INDIRETOS.  SELVAGEM, POIS SUA PAIXÃO POR MIM É TAMANHA, QUE TENTA TODAS  AS  MANEIRAS A SEU ALCANCE -- E ESTAMOS FALANDO DO ALCANCE DE  DEUS...  MAS DIZÊ-LO UM “CAVALHEIRO SELVAGEM” É TÃO CORRETO E INSUFICIENTE QUANTO ROTULÁ-LO “PRÍNCIPE DA PAZ”, “PAI” OU QUALQUER OUTRO QUALIFICADOR . QUANDO DEUS SE MANIFESTA A MOISÉS COMO “EU SOU O QUE SOU”, ESTÁ OFERECENDO O MAIS PRÓXIMO DE UMA DEFINIÇÃO POSSÍVEL, NUMA ÉPOCA E CULTURA EM QUE AINDA NÃO HAVÍAMOS ESQUECIDO QUE O NOME DE UM SER É EXPRESSÃO SIMBÓLICA DE SUA ESSÊNCIA. PARA  A TAREFA DE DELIMITAR COM CERCAS DE PALAVRAS A NATUREZA DE DEUS, “O SER” SERIA ESTÁTICO DEMAIS. “EU SOU ISTO ” OU “AQUILO” FARIA DELE UM SUJEITO RELATIVO EM UM UNIVERSO DE SUJEITOS RELATIVOS, PASSÍVEIS DE SE TORNAR OBJETOS EM CERTOS CONTEXTOS.  NÃO,  ESSE DEUS DESCONCERTANTE  DIZ  SIMPLESMENTE QUE ELE É O QUE É.  ALIÁS, DIZ MAIS. NA LÍNGUA DE FOGO EM QUE FORAM ESCRITOS OS LIVROS INICIAIS, O QUE O PROFETA ESCUTA  É UM DEUS  QUE É,  FOI E SERÁ O QUE É, FOI E SERÁ. SE ISSO NÃO SIGNIFICA QUE DEUS É TUDO EM TODOS, DURANTE TODO O TEMPO, ENTÃO SIGNIFICA O QUÊ?

sexta-feira, 20 de maio de 2011

3.

SEM  QUE SE COMPENETRASSE  EXAUSTIVAMENTE, CONSEGUIA  ADIVINHAR  AS TEXTURAS SUTIS DO HUMOR DAS GENTES. DE MODO QUE SUA DIFICULDADE ERA SEPARAR-SE DAQUILO QUE SENTIA, SABER IMPOR O GUME DO DISCERNIMENTO ÀS TURBULÊNCIAS INEVITÁVEIS. NEM OS SUPOSTOS  MESTRES DO AUTO-DOMÍNIO NEM AS AVENTURAS SOFRIDAS DA EXPERIÊNCIA PARECIAM CAPAZES DE MUDAR  ESSE TRAÇO SEU. ENTÃO, ESTABELECEU (POIS DECIDIRA SER E VIVER COMO REI  DE SEUS DOMÍNIOS INTERIORES), ESTABELECEU UM PROPÓSITO. NEGARIA A SI MESMO O TANTO DE PRAZER (ALGUM PRAZER SIMPLES, COTIDIANO) DE QUE PUDESSE LICITAMENTE  DESFRUTAR.  PENARIA A COCEIRA  DE ALGUM PEQUENO DESCONFORTO. QUERIA DESCOBRIR SE ISSO O CAPACITAVA A AQUIETAR-SE NO CALOR DA CONTRARIEDADE.  COM O TEMPO, SUA RESISTÊNCIA A PRIVAÇÕES MIÚDAS FORÇOU-O A BUSCAR EXPERIÊNCIAS  MAIS  EXIGENTES NO TERRITÓRIO DO CONTROLE.  ABRIU-SE  PARA  SEVERIDADES  QUE POUCOS HUMANOS  OUSAM  ABRAÇAR. 


A OUTRA VERSÃO, MENOS  UFANISTA, SERIA AQUELA  EM QUE SE FALA DAS INÚMERAS TENTATIVAS FRACASSADAS. DAS  VEZES EM QUE DETERMINARA UM RUMO E SE DESVIARA  AINDA NOS INÍCIOS DO CAMINHO. DOS MUITOS MOMENTOS EM QUE PERDERA A FÉ NO SENTIDO DE TAIS PRÁTICAS. DOS DISCURSOS QUE CONSTRUÍA PARA DEFENDER SUA CARA  DAS  ACUSAÇÕES DE COVARDIA E DUPLICIDADE FORMULADAS PELA ALMA. ESSA FORMA DE CONTAR A HISTÓRIA SERIA MENOS HONROSA?

terça-feira, 3 de maio de 2011

silmarillion


Estou lendo o Silmarillion, de Tolkien. Ainda que meus olhos e meu coração por vezes se recusem a seguir a malha intricada de nomes, genealogias e eventos, não consigo abandonar a leitura nos momentos em que o velho  escritor apresenta os personagens, com tamanha riqueza!, e naquele estilo tão familiar aos leitores de sagas míticas como o ciclos de Arthur, ou Sigurd, ou Moisés. Enquanto n'O Senhor dos Anéis impera a variedade estilística, com poemas líricos, passagens épicas e narrativas, o Silmarillion é muito mais contido, diria até mais depurado. Parece um livro de Heródoto, ou Flávio Josefo, enfim, um compêndio histórico que lança dezenas de narrativas encadeadas, oferecendo um panorama do mundo mitológico criado por Tolkien. A edição preparada por Christopher Tolkien, que é a em que se baseia a tradução brasileira, conta toda a história, indo inclusive recapitular os eventos cruciais da terceira era, contados na trilogia tão conhecida e amada.

As narrativas dos inícios, Ainulindalë, estão entre as páginas mais belas que já li :

Havia Eru, o Único, que em Arda é chamado de Ilúvatar. Ele criou primeiro os Ainur, os Sagrados, gerados por seu pensamento, e eles lhe faziam companhia antes que tudo o mais fosse criado. E ele lhes falou, propondo-lhes temas musicais; e eles cantaram em sua presença, e ele se alegrou. Entretanto, durante muito tempo, eles cantaram cada um sozinho ou apenas alguns juntos, enquanto os outros escutavam; pois cada um compreendia apenas aquela parte da mente de Ilúvatar da qual havia brotado e evoluía devagar na compreensão de seus irmãos. Não obstante, de tanto escutar, chegaram a uma compreensão mais profunda, tornando-se mais conscientes e harmoniosos.
E aconteceu de Ilúvatar reunir todos os Ainur e lhes indicar um tema poderoso, desdobrando diante de seus olhos imagens ainda mais grandiosas e esplêndidas do que havia revelado até então; e a glória  de seu início e o esplendor de seu final tanto abismaram os Ainur, que eles se curvaram diante de Ilúvatar e emudeceram.

E por aí vai...

[Observação: percebi que ler o livro com a internet aberta, buscando no Google as imagens já produzidas para ilustrá-lo, intensifica maravilhosamente a experiência!]



sexta-feira, 29 de abril de 2011

2


IMAGENS DE BELEZA:  

SORRISO  SEM-VERGONHA  DE BEBÊ
SOL FURANDO  O  CÉU  NUBLADO  AO  FIM  DO  DIA
SENSAÇÃO  DE  CORPO  CANSADO  APÓS  UM  DIA DE  TRABALHO
DOIS ORGASMOS
A  LEVEZA  DE  DEUS  ARMANDO  SUAS  HISTÓRIAS 
UM BRINQUEDO
UMA  ESTÁTUA
A IMPLOSÃO  DE UM EDIFÍCIO
FOTOGRAFIAS  DE GALÁXIAS,  PLANETAS,  ESTRELAS
O  CORPO  QUE RESPONDE  AO  PENSAMENTO  SEM  ATRASO 
TRAÇOS  PRETOS  SOBRE  PAPEL  BRANCO
PINCEL  MOLHADO  EM  TINTA SOBRE  TELA  ESTICADA
OLHOS ABERTOS
ALMA LIGADA
PALAVRAS  VERDADEIRAS 
DANÇAR COM A MULHER
CIDADES  ANTIGAS
CAMINHOS  FEITOS  POR  FORMIGAS
OUVIR UM DISCO QUE  NÃO OUÇO  HÁ  DEZ  ANOS  
PALAVRAS  BEM  ESCOLHIDAS
SABOR DE CERTO MEL ESCONDIDO.


quinta-feira, 28 de abril de 2011

1


É COM PALAVRAS QUE ENFRENTAREI MEU CAOS.

FOI DITO NOS PRINCÍPIOS QUE A PALAVRA PROFERIDA  DEU EXISTÊNCIA A GARÇAS,  LAGARTOS  E  AMEBAS. E QUE O HOMEM,  SER  DERIVADO DE SONHOS  E MOLDADO EM LAMA,  ERA NAQUELAS  ERAS  O DETERMINADOR DE SIGNIFICADOS – OS SONS DO PALATO E DA LÍNGUA E DOS DENTES DE ADÃO SE CASAVAM COM OS SERES E OS REVESTIAM DE MAIS DEFINIDA  REALIDADE. ESTRANHA CONSTATAÇÃO: ESTE TEMPO EM QUE VIVO E ESCREVO É ABARROTADO DE PALAVRAS  QUE JÁ NÃO SIGNIFICAM,  ANTES DESPISTAM  O  SENTIDO.  SETAS  TORTAS.

MAS  HÁ  ALGO  DE  PODEROSO NA AFIRMAÇÃO  DE  QUE  UM  LIVRO  É O CAMPEÃO  DO  CAOS. PALAVRAS VENCENDO O CINISMO QUE SE TORNOU INERENTE  A  ELAS .  AO LÊ-LO, É COMO SE NOS JOGÁSSEMOS NUM  LUGAR  ÁSPERO E PRIMITIVO, COMO LOMBO DE CAVALO. O AR ALI É DENSO, AS PESSOAS, PURAS – NÃO BOAS.  OS CONFLITOS, SIMPLES. NENHUMA TENTATIVA DE NOS CONVENCER DE HEROÍSMO ALGUM. HUMANIDADE PODEROSA  E  ENLOUQUECIDA, MAIS E MAIS. É O LIVRO QUE QUALQUER ESCRITOR VERDADEIRO SONHA EM ESCREVER, MAS JÁ HABITA AS ESTANTES. O QUE NOS RESTA? CONTAR HISTÓRIAS DA ÚLTIMA HORA OU SE CONVENCER DE QUE NADA DO QUE ALI SE ENCONTRA SEJA DIGNO DE ATENÇÃO -- FAZER BIRRA...

EU PENSO ASSIM: O LIVRO JÁ FOI ESCRITO SOBRE PEDRA, PELE E PAPEL. VOU DIZER PALAVRAS SOBRE O QUE O LIVRO TEM ESCRITO EM MIM.




sábado, 23 de abril de 2011

murro

As páginas onde deposito estas e outras tolices precisam ser de barro e fogo. Ou não me sustentarão, ora! Quem escreve em suaves sedas? Decerto que eu não! Houve tempo, porém, em que buscava as palavras mais “nobres”, na ilusão de pertencer a alguma linhagem de sagrados ministros da escrita... vivia fantasias de pureza nas quais os temas que desenvolvia tinham de ser os mais “elevados”, “edificantes”, como se linhas sobre papel representassem qualquer escada de Jacó. Mas, graças aos tumultos próprios do ser em intensidade, descubro-me hoje com pouca paciência para aqueles jogos.

Pois já não sou um aspirante a palavreador. Tenho marcado sobre as superfícies – celulose, concreto, casca de árvore, pele viva e quente – tantas mentiras e pretensões e confissões sujas que nem a boca pode dizer de si ser mais carne que a letra. Falo como quem esmurra ou lambe. Escrevo à maneira de quem batalha ou come. Porque já perdi o cabaço das palavras. Seduzo as que quero e as faço ser o que meu apetite ordena. Quem escreve palavras não pode ser instrumento das palavras nunca.   


quarta-feira, 20 de abril de 2011

leque


Fiz este desenho sobre papel no ano passado e recentemente o colorizei no photoshop. Experimentei camadas e misturas de cores. A cor tem um poder e tanto... destaca as formas de um modo que o preto e branco não é capaz! Confesso, estou ficando apaixonado pela cor...



domingo, 17 de abril de 2011

uma dica



Vá em frente, onde as estrelas começam a endurecer sua luz. Daí a poucos passos, recite dois ou três versos de canções que você esqueceu. Quando tudo estiver pronto, assegure-se de que ninguém além de Deus ignora suas intenções. É batata! Boa sorte.  


segunda-feira, 11 de abril de 2011

wabi sabi

Wabi sabi é uma forma de beleza que se desenvolveu no Japão...

 Não, essas palavras realmente não definem wabi sabi. Eu mesmo não estou certo de que consegui captar o verdadeiro sentido dessa expressão de tradução improvável. Falam por aí que wabi sabi é algo como apreciar o detalhe insignificante, ou contemplar a ação desagregadora do tempo sobre a matéria. Então, Manoel de Barros é inequivocamente wabi sabi. Antoni Tapies também. Musgo em casca de árvore é. Certas frases de Guimarães Rosa são puro wabi sabi, não só os hai kais orientais. essa imperfeição no definir é outro exemplo de wabi sabi, que estabelece mais um espírito, um estilo, uma atmosfera, do que um padrão estético. Somos devedores dos gregos, que nos ensinaram a classificar e ordenar todas as coisas. Mas o Japão, que está entre nós há décadas já, confronta essa presunção de rotuladores com um modo de ver e produzir arte que está há léguas de distância do modo ocidental. Em música, seria uma linha improvisada displiscentemente, sem medo de errar, nem de guardar longos silêncios entre os ataques. Em culinária, seria a liberdade de testar novas combinações a cada jantar, com a possibilidade de os convidados acrescentarem algo único a seus pratos.

Imperfeito, incompleto, impermanente.

Algo com jeito de ter sofrido uns bons anos sob sol e chuva, como pátina de estátuas de bronze em praças públicas. Ou os vincos na face anciã.

terça-feira, 5 de abril de 2011

paleolítico

O poeta sírio Adonis falou estas palavras:

“Estamos entrando em uma nova época em que o homem retorna a um certo primitivismo. Não há nada mais além da cultura dos olhos e da cultura dos ouvidos”.

O bioquímico austro-húngaro Erwin Chargaff:

"A história mundial é um catálogo de atos de violência e de acidentes. É feita essencialmente de guerras, coroações, deposições e  revoluções que logo depois foram reduzidas a nada. Perante coisas tão medonhas, o belo não tem praticamente nenhuma chance."

O filósofo hindu-espanhol Raimon Panikkar:

"Esta suposta liberdade não é liberdade. É a suposta liberdade que me permite escolher entre dez marcas diferentes no supermercado? A liberdade não é uma liberdade de escolha entre ofertas determinadas - isso faria que nossa liberdade fosse maior à medida que a oferta fosse mais abundante. O consumo não é uma liberdade."

O escritor nigeriano Wole Soyinka:

"O problema do mundo ocidental é que ele idolatra a ciência e a tecnologia e submete a vida a esses ídolos."



quinta-feira, 24 de março de 2011

retratos

 Houve tempo em que fazer o retrato de uma pessoa era tarefa para artistas profissionais. Apenas nobres, alto clero e burguesia ascendente tinham meios para financiar tais obras, que perpetuavam os rostos e atitudes idealizadas dos representados. Sabemos como era a face de Filipe II, conhecemos a expressão sinistra do papa Inocêncio e temos registrado o sorriso de uma mulher cujo retrato é muito mais importante para a História do que sua vida (mesmo seu nome é motivo de controvérsia). Ainda que alguns adoráveis rebeldes (como este) tenham pintado pessoas do povo, jamais saberemos quem esses eram, já que apenas serviam de modelo. Típico caso em que a personalidade do artista sobrepõe-se à da pessoa representada.

A máquina fotográfica forçou uma ressignificação da pintura, por um lado, e tornou mais fácil produzir retratos, por outro. Já não era privilégio de ricos ter sua imagem “eternizada”, mas tirar fotos ainda era um ritual complexo - o tempo de exposição necessário para que a luz impressionasse o filme era alto, o que exigia total imobilidade por parte dos retratados, ainda mais do que com a pintura, já que um movimento fora de hora poderia arruinar as pretensões estéticas de ambos, fotógrafo e cliente .

Hoje, com câmeras digitais portáteis é possível fazer retratos a todo momento. Já não se registra o próprio rosto por megalomania. Estamos presenciando a mais radical ressignificação do retrato: nem expressão místico-publicitária para poderosos, nem programa de domingo para famílias.  Mas compulsão.  Veja aqui.



segunda-feira, 21 de março de 2011

caçador 2

Caneta sobre papel sulfite.


palavras

Acaso minha palavra é sêmen que agite alguma profundeza? Tem em si o valor das que são ditas como espada afiada? Ou o preço daquelas que se guarda?

Palavras são jogos radicados na imaginação. Por mais técnicas, denotativas, fáticas ou funcionais que possam parecer, suas origens repousam  nas interpretações poéticas feitas por seres humanos que ainda não haviam sido adestrados no paradigma científico. Como demonstram todos os escritores que foram capazes de deixar alguma marca no mundo, palavras são moldáveis. Nomes pessoais aos poucos deixaram de representar aquilo a que se prestavam nos inícios, ainda que reste algo do sabor original, como uma camada arqueológica. Pereiras, oliveiras, selvas, pedras. Vitais, patriotas, guerras, campos. O significado social do sobrenome  sobrepuja a imagem poética, e já não vemos a árvore ou o bicho que está por trás e por baixo.

Mas deste modo nos perdemos do significado em si. Desconectando a percepção da imagem deixamos de ver as palavras, aceitando qualquer significado alternativo que consiga vingar. “Paz” passa a carregar nuances de conflito, “amor” começa a representar situações de egoísmo, “democracia” é aceito como competição de interesses minoritários, “História” assim, com agá grande, é considerado como expressão da verdade sobre o passado, quando há de fato muito mais histórias, e até estórias, em seu bojo.

Um mundo que confina as palavras a uma série restrita de conotações, através do politicamente correto, ou dos protocolos, ou do bem-pensar, é um mundo semelhante à distopia de Orwell, “1984”.  Pode ser clichê, mas trata-se de uma história em que um governo central vigia os cidadãos por meio de câmeras-telas presentes em todos os lugares, sob o pretexto da segurança. O líder supremo, que ninguém vê exceto pelos filmes oficiais e pelos cartazes onipresentes, é o Grande Irmão. A política é baseada na guerra e no medo da guerra, que dá ao governo a justificativa para controlar todos os passos do cidadão e, que é o ponto que importa para este texto, para reescrever jornais, revistas, livros, quando não destrói sumariamente tiragens inteiras de documentos capazes de contradizer a versão oficial. Em nossa realidade ocorre algo mais sofisticado que a destruição do material subversivo. São definidos  significados-chave, difundidos por meio da indústria cultural e permite-se aos discordantes que participem do debate, tentando contribuir com percepções diferentes. Agora, quem terá paciência de navegar o oceano semiótico com bússolas próprias se a escola, a tv, a publicidade, o cinema, a imprensa, etc já oferecem interpretações prontas para o consumo? Na balbúrdia de vozes o que é perigoso para o status quo geralmente é soterrado ou cooptado a fazer parte da Cultura (sim, com cezão), onde poderá ser dissecado por estudiosos, ou apreciado como cult, ou vendido a altíssimos preços.

Ou, como no caso das palavras de um certo judeu do primeiro século desta era, ganhará a possibilidade de alcançar todo o planeta e influenciar de tal modo o imaginário da humanidade, que até mesmo os que discordam de suas principais afirmações se sentirão obrigados a admirá-lo. Mas veja o preço: ter seu alcance revolucionário drasticamente reduzido ao ser rotulado como “religião”, “filosofia”, ou qualquer outra tag que impeça seu conteúdo de ser compreendido.

As palavras são preciosas, pois definem a realidade e as possibilidades. Também são perigosas para o sistema, já que condensam trilhas alternativas. Não é por outra razão que estão sendo esvaziadas e substituídas por uma cultura de imagens – quanto mais surpreendentes aos sentidos melhor... para quem?

Minha questão aqui é a seguinte: se as palavras já não impactam tanto, o que o fará?

Sinta-se livre para responder. Com palavras ou de outro modo...



domingo, 20 de março de 2011

reino dos céus

Espaços em que sinta o espaço abraçar-te. Construções que contrariem a expectativa de ângulos retos, conduzindo-te por corredores  amplos, porém curvos,  paredes não necessariamente paralelas. Entrar no edifício pela janela, sair por tirolesas. Vento abundante, luz natural, água corrente, árvores, tudo dentro. Andares que giram, painéis sob a água. A cidade ganhando ares de playground, parque ou obra de arte. Andar descalço na rua, tapetes de velcro que te fixam às paredes. Ir ao trabalho de bike ou a nado. Trabalhar brincando. Menos roupa em dias quentes, liberdade para a nudez. Vestir-se de modo que expresse quem você é. Fazer performances a qualquer hora, em qualquer lugar, dessacralizando os “lugares certos” para a arte: música ao vivo no interior dos bancos (que ainda existiriam no começo, mas seriam demolidos em todos os sentidos); dança individual nas florestas; body painting nos saguões dos tribunais. Hospitais repletos de cor, vento fresco, vida e juventude. Cura pelo toque. Pessoas felizes, extravasando em alegria. O casal que namora nas matas protegido, não repreendido, pelo policial (que também ainda existe, mas seria uma fímbria até o sumiço completo). Nenhuma fiscalização. Nenhum documento de identidade. Nenhum dinheiro (o que você faria se o tivesse faça-o sem ele...). O desmantelamento do sistema educacional, para que o conhecimento impere, ao invés dos papéis. O fim das empresas. A aurora da cooperação.  A reinterpretação da História. A livre expressão das belezas. Beleza, beleza em todo canto...



segunda-feira, 7 de março de 2011

condição

Eis que sou.

E, coladas ao eu-ser, as gerações.

Pelos muros que saltei, pelos canais que a nado cruzei, era de se esperar ao menos um gosto de liberdade.
Pois sim...

Os traços de todos os meus inimigos
(os guardiões de fortalezas, os empedernidos alcaguetes, os encadernadores de pessoas)
estão em mim, e não como mera recordação.

Eis que ser tem menos daquela qualidade mística e desarrazoada que eu imaginava e simulava.

Mas se eu mesmo não chego incólume ao pico das autenticidades, como explicar os milagres então?

Já que minha natureza não é capaz de sustentar originalidade nem interesse altruísta ou arte

então de onde brotam essas surpresas que alargam meu mundo de vez em quando?  



domingo, 6 de março de 2011

novidades

Rodeados que estamos pelo discurso da inovação, fica até difícil perceber as coisas conforme o escritor do Eclesiastes: "nada há novo debaixo do sol"... Especialmente no que se refere à internet  e computadores. Lançamentos de máquinas surpreendentes (capazes de mudar toda a sua percepção da existência!), atualizações de sistemas operacionais, redução de tamanho e peso dos gadgets, sem contar, obviamente, os apelos da publicidade!

Existe a pressuposição de que, se você tem até 30 e poucos  anos, é necessário não somente que possua computador, e-mail e conexão à internet (pois tais se exige também dos demais seres humanos que caminham sob o sol nesta época), mas ainda perfis constantemente atualizados nas principais redes sociais, ao menos um blog (onde você pode informar à humanidade sobre as mais recentes voltas de seu pensamento), um smartphone, um tablet pc, enfim...

E o curioso é que tantos meios magníficos não se traduzam necessariamente em um nível mais alto de pensamento. Senão, vejamos. O tema mais pesquisado no google é pornografia. Quase todo e-mail que recebo é de piadas. Grande parte dos scraps, posts e tweets da vida versam sobre nulidades e vaidades. Compete-se para ter o maior número de “amigos” ou “seguidores” (que expressão infeliz...). Temas e motivações tão antigos! Acabo de saber por uma revista que este ano o feicebúqui se tornará o maior site de prostituição do mundo. Claro, são os usuários, não o Zuckerberg. Mas é este o ponto. Somos a mesma humanidade de sempre, a despeito da sofisticação dos recursos tecnológicos disponíveis. Será que conseguimos fazer algo realmente novo, com ou sem gigabytes de memória? 



domingo, 27 de fevereiro de 2011

omnibus

A moça mentalmente transtornada. O menino que vende halls. O homem velho que viaja em pé. O motorista que sonha ser Michael Schumacher. Os estudantes brincalhões. O jovem que se dispõe a carregar sua mochila. O cara que oferece seu lugar à menina bonita. A menina bonita. O cobrador falastrão. O carona, o corredor sem espaço, o braço estendido.

Os olhares  os olhares os olhares. Os cheiros todos: suor, colônia, flatulências. As curvas bruscas. Os fones de ouvido. O medo antecipado daquele declive. A proximidade indesejada. Os que falam alto ao celular.  Os que lêem livros. Os que jogam videogame. Os que dormem. Os que se espalham.

As telas embaçadas em manhã chuvosa. Marcas de dedos, desenhos, gotas alongadas. No limite de suas molduras, os carros, as faixas, os horizontes. Rostos desconhecidos sempre iguais.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

cabeça barbuda

Feito no Corel Photo Paint




saul

Pedras, musgo. Nuvens, horizonte. Cordas, percussão. Saul acordava pedindo aos grandes espíritos que talvez governem o universo uma prova de seu poder. Milagres, Saul pedia. Sentado em padmásana, Saul acreditava que misturando o álef-beit com as sílabas sânscritas obteria a transcendência. Afinal, estava na trilha de grandes mestres. Talvez na de todos e, como bem disse um deles, na de nenhum.

Saul não era do tipo que veste bata indiana, ou que tatua logogrifos arcanos, nem curtia longos jejuns. Buscava uma síntese pessoal das escolas de mistérios, mas para consumo próprio. Não advogava: não profetizava: não pontificava. Via o Ein-Sof cabalístico como essencialmente igual ao Tao dos chineses e este, um outro nome para o indiano Brahman. Conhecia as sutilezas etimológicas e tinha profundo respeito pela complexidade conceitual dos textos sagrados – que lia no original.

Saul era o figura, o sábio, o estranho. Com o tempo e os títulos, virou citação frequente em artigos de estudiosos renomados. Deixou-se absorver pelas páginas até viver dentro delas.

Pedra, musgo. Nuvens, horizonte. Cordas, percussão. Saul se esqueceu do milagre ou não?


sábado, 19 de fevereiro de 2011

universo

Povoam os ângulos mais distantes desta vastidão escura, este universo antigo, coisas que pulsam energia, ralos por onde a luz escoa, impossíveis névoas de estranha matéria.

Este mesmo planeta onde vivo é bola azul improvável, cercado de perigos terríveis, grandes pedras em vôo livre, atratores mal-humorados...

E daqui se vê tanto... espetáculos de cores, jatos de substâncias, explosões que inseminam o vazio.

“Vazio”...

Cada pequeno grão de nada nos espaços siderais contém portais selados para outras paralelas possibilidades...

E, enquanto se expande a colcha estrelada ao longo de bilhões de anos, minha imaginação não pode deixar de se pasmar ante a assombrosa constatação de que, para os homens sérios, importante e belo são adjetivos que se adequam apenas ao que cabe no interior de suas cercas.


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

davi

Quando a perplexidade de Saul deu lugar a qualquer coisa semelhante à reverência pela presença de espírito do moleque Davi, ele o vestiu com suas armas. Espada, armadura, couraça, capacete. Mas Davi simplesmente não podia andar com aquilo, pois era-lhe desconfortável, uma vez que nunca usara tais apetrechos. E Davi se despiu da espada, da armadura, da couraça, do capacete. Foi em frente, ao encontro do gigante, portando o cajado de pastor e uma funda improvisada com o alforje e cinco pedras lisas de rio. O que houve então você já sabe.
Davi não se valeu das forças de outro homem quando seguiu em direção ao seu destino. É verdade que cinco pedras de rio não se comparam à espada como aparato bélico. Mas a lógica do menino que já havia derrotado - à unha -  o leão e o urso não se submetia à ciência militar. A certeza de que o Senhor dos Exércitos lhe daria, no momento certo, a forma adequada, era suficiente para ele. Sem estratégias, sem treinamento prévio, sem jeitão de guerreiro, sem formatação de seus pensamentos: espada, armadura, couraça, capacete. Ao invés, colheu pedras de rio, vulgares, desgastadas ao ponto de se tornarem lisas, seixos trabalhados com paciência, descansados na fluidez da águas.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

primeiro passo

Por trás dessas névoas de normalidade que todos engolimos existe o ambiente das caras verdades, aqueles espaços em que nos soltamos e respiramos de fato. Na neblina do dia-dia-dia se vive à espreita de novidades, em meio ao tédio que abocanha.  Ou às escondidas, contraindo o ser. Difícil coisa: acessar o autêntico. Há os que tentam solucionar o impasse seguindo profissões arquetípicas como a de músico, ator, professor, médico, sacerdote. Outros experimentam dar ao que fazem um sentido que vá além do trivial.

Claro, existem aqueles momentos em que tudo o que desejamos é esquecer, e para isto as prateleiras estão apinhadas de opções, um universo de possibilidades lúdicas, dos tabuleiros quadriculados de pixels às substâncias que chovem sobre os neuro-receptores. Acontece que isto não reconfigura a realidade. Têm seu lugar e sua hora, mas supor que esses instantes de escape representem liberdade é tolice... expediente-happy hour... semana-finde... trabalho-férias... neste esquema somos peças mesmo, simples assim. O que pode determinar um passo para fora?

Bem, não é meu propósito responder, mas isso é uma de minhas questões. Talvez seja a sua também.

Este espaço é para mim um experimento de liberdade, com toda a carga de contradição que tais palavras contêm. Mais um blog na blogosfera. Que diferença faz? E que importa?  “Desvio”... Caminho tangencial, curva imprevista, atalho. Só amanhã saberei a face desta trilha. Se é que saberei.

Seja bem-vindo(a).